“Nunca
ninguém do sindicato ou da USP telefonou”, diz pai de aluno morto na
faculdade
Por Flávio
Freire:
“Vi ontem uma mãe na delegacia chorando porque o filho estava preso, mas ele foi preso porque escolheu. Esses alunos, esses pais, parecem não ter noção do que é chorar por ter perdido um filho. Talvez, se tivesse policiamento, o meu Felipe não teria sido morto com um tiro na cabeça”.
“Vi ontem uma mãe na delegacia chorando porque o filho estava preso, mas ele foi preso porque escolheu. Esses alunos, esses pais, parecem não ter noção do que é chorar por ter perdido um filho. Talvez, se tivesse policiamento, o meu Felipe não teria sido morto com um tiro na cabeça”.
O desabafo,
resignado, é de Zélia Paiva, mãe de Felipe de Ramos Paiva, aluno da Faculdade de
Economia e Administração (FEA) morto em 18 de maio deste ano no estacionamento
da universidade. Foi em razão desse crime - os dois assaltantes estão presos -
que a USP decidiu colocar a PM no campus, revoltando grupos de alunos, que
protestaram, invadiram a reitoria, foram presos, soltos no mesmo dia e agora
estão em greve.
Zélia, dona de casa,
e o marido Ocimar Florentino Paiva, projetista, são a favor do policiamento na
cidade universitária. Para o casal, é inconcebível um protesto que, segundo
eles, pode mascarar ideologias questionáveis. Os ânimos se acirraram entre
estudantes e a reitoria depois que três alunos foram presos pela PM fumando
maconha. Os estudantes alegam que a luta contra a presença da polícia não é
nova, nada teria a ver com o que aconteceu, e criticam a forma “agressiva” como
seriam abordados. “O que ouvimos da polícia, na época do crime, é que duas
quadrilhas sempre agiram livremente lá dentro (da USP). Tem que ter
policiamento, é claro. Usar drogas é contra lei e tem que impedir. A USP não
pode ser um lugar que atrai traficantes”, diz Ocimar.
Seis meses após
perder o filho, ele se emociona ao lembrar que conseguiu, “com com muito custo”,
construir a casa em que cada um dos dois filhos teria seu quarto, e que ele teve
um sonho interrompido: os dois se formariam no ano que vem. Ocimar cursa
Engenharia Elétrica numa faculdade privada.
Na sala do sobrado
recém-erguido numa rua simples de Pirituba, na periferia de São Paulo, o pai de
Felipe sofre com as manifestações de alunos em pé de guerra com a USP. “Eles
(manifestantes) dizem que os alunos da FEA, da Poli e da Medicina não fazem
protesto porque são filhinhos de papai. Você acha que somos ricos? Eles nem
sabem contra quem ou contra o que estão protestando. Meu filho nunca fez
protesto porque trabalhava desde cedo e estudava nos fins de semana para entrar
e se manter num curso muito concorrido”, diz, perdendo a voz, esfregando os
olhos, já amparado pela mulher.
Uma cena do
noticiário dos últimos dias não sai da cabeça do casal: advogados na porta do 91
DP, para onde foram levados os manifestantes, felizes porque um sindicato
conseguiu arrecadar R$ 39 mil para pagar a fiança coletiva. “Arrumaram quase R$
40 mil para tirar da cadeia alunos que não queriam nem sair, enquanto faz seis
meses que meu filho morreu e nunca ninguém de sindicato ou da USP deu sequer um
telefonema para nós. Recebemos só o telegrama de um professor do Felipe, em nome
dele e de alunos da classe. Foi a única manifestação de solidariedade”, conta
Zélia, ainda de voz firme.
A tragédia que se
abateu na família criou um trauma. A filha mais nova do casal, de 21 anos,
desistiu de prestar vestibular para Medicina na USP, pelo menos por enquanto.
“Precisamos retomar nossa vida, mas tem coisas que marcam muito a gente. Tem
seis meses que o quarto do Felipe está do jeito que ele deixou, não conseguimos
tocar em nada. Estamos pensando até em vender a casa para tentar recomeçar a
vida longe de algumas lembranças”, afirma Ocimar, que mensalmente paga as
despesas do carro do filho, protegido com uma capa no quintal da casa. O
passaporte de Felipe, emitido cinco dias antes do crime, é guardado pela
família.
“Meu filho queria
viajar pelo Brasil, mas também conhecer o mundo. A insegurança interrompeu o
sonho dele. O país todo precisa ter mais segurança, e a USP, também. Ou vão
esperar acontecer nova tragédia?”, indaga o pai.
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