Depois de denunciar a existência de “bandidos
de toga” no Judiciário, corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, agora
acusa entidades da magistratura de corporativismo e de repasse de informações
“mentirosas” para a imprensa
Ao deixar a entrevista coletiva de cerca de uma hora que concedeu no final da manhã desta quinta-feira (22), a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, recebeu de um assessor um telefone celular com alguém à sua espera. Ao iniciar a conversa com o interlocutor não identificado, Eliana resumiu em uma frase o clima de animosidade que se instalou na magistratura. “Isso tudo é confusão das entidades”, disse, referindo-se à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), à Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e à Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), descontentes com a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em relação às movimentações financeiras do Judiciário.
Pouco antes da ligação telefônica, Eliana disse
acreditar que as informações sobre benefícios supostamente indevidos recebidos
por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo o próprio presidente
da corte, Cezar Peluso, vinham sendo plantadas pelas associações na imprensa, em
ação de viés corporativista e com o objetivo de desautorizar seu trabalho à
frente da corregedoria, órgão criado pela reforma do Judiciário (Emenda
Constitucional nº 45/2004) com a função de preservar, entre outras funções, a
lisura nas entranhas do poder. Obrigada a interromper seu recesso para explicar
o que tem sido noticiado na imprensa em nível nacional, Eliana negou que as
investigações do CNJ tenham extrapolado suas prerrogativas legais.
“Não houve quebra de sigilo, muito menos
devassa fiscal ou vazamento de informações sigilosas. O que tem sido feito é um
trabalho pelos órgãos de controle administrativo”, declarou Eliana, em um dos
corredores do CNJ, explicando que não teve acesso a valores extraídos por órgãos
parceiros, como o Controle Integrado Administrativo e Financeiro (Ciaf), a
respeito de movimentações financeiras de magistrados e gestão do dinheiro
público no âmbito de tribunais Brasil afora. “Eu soube [dos valores] pelos
jornais. As informações que eu tenho são de natureza formal, fornecidas pelos
técnicos dos órgãos de controle, que ainda estão cruzando os dados.”
Segundo Eliana, o trabalho dos técnicos
contábeis, que têm como base declarações de imposto de renda e folhas de
pagamento, consiste na detecção de “transações atípicas” executadas por
magistrados. O procedimento ainda está, como lembrou a ministra, na fase de
cruzamento de dados, a fim de que eventuais irregularidades sejam constatadas e
repassadas ao CNJ – e isso ainda não possibilita, disse Eliana, o registro de
valores que tenham extrapolado o limite de R$ 250 mil anuais por cada magistrado
(juízes, desembargadores, juízes auxiliares etc). “Fora disso, eles [técnicos]
entendem que há transações atípicas.”
A ministra, que tem mandato até 8 de setembro à
frente da Corregedoria Nacional de Justiça, disse que 45% dos magistrados do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) não haviam repassado as
informações do imposto de renda, e acrescentou que o Ciafi detectou 150
transações atípicas naquela corte – a maior do país, com o maior registro de
supostas irregularidades, embora a ministra considere o número baixo,
proporcionalmente. “Por isso comecei por São Paulo.” Os dados em análise no CNJ
são referentes a um universo de mais de 45 mil servidores e dois mil
juízes.
Auxílio-moradia
Nas últimas semanas, uma espécie de reação
anti-CNJ orquestrada por alguns ministros do STF tem colocado em xeque a
autonomia do órgão. Em um primeiro momento, o presidente do Supremo, Cezar
Peluso, adiantou-se em mandato de segurança impetrado pela AMB e expediu liminar
favorável à entidade restringindo as atribuições investigativas do conselho,
contrariando a Constituição a partir da reforma do Judiciário, de 2004. O
julgamento da ação em si será realizado em data ainda não definida do próximo
ano.
Na última segunda-feira (19), o ministro
Ricardo Lewandowski determinou, em decisão monocrática (unilateral), que as
investigações do CNJ sobre as movimentações financeiras da magistratura fossem
interrompidas. Paralelamente, as três entidades acima mencionadas ajuizaram dois
mandados de segurança para anular os procedimentos administrativos executados
por Eliana. As associações acusam a ministra de “quebrar o sigilo de dados de
216.800 juízes e servidores do Poder Judiciário, além dos seus parentes”.
“Não tenho conhecimento nenhum do que há nessas
folhas de pagamento. Quem sabe são os técnicos, que ainda não me entregaram o
relatório final. Eu só sei o que eles me disseram. Essa novidade de que os
ministros do STF receberam x ou y é mentirosa, eu não tenho essa informação”,
acrescentou a ministra, lembrando que os levantamentos dos técnicos do CNJ e de
órgãos auxiliares foram feitos em 2009 e 2010, quando Peluso e Lewandowski já
haviam deixado o tribunal paulista. Eliana lembrou ainda que não pode, por
restrições constitucionais, investigar ministros do STF.
“Eu só tenho a lamentar, pois isso é fruto de
maledicência, da irresponsabilidade de entidades como AMB, Ajufe e Anamatra que,
mentirosamente, desinformam a população”, declarou Eliana, para quem as
associações agem de forma corporativista para desviar o foco dos desmandos
praticados por setores da magistratura e “enfraquecer a autonomia” do CNJ.
“Temos a prerrogativa de barrar qualquer iniciativa corrupta no
Judiciário.”
“Crime impossível”
A rusga entre CNJ e STF se intensificou depois
da divulgação de que tanto Cezar Peluso quanto Ricardo Lewandowski haviam
recebido bonificações remuneratórias de até R$ 700 mil da Justiça paulista, a
título de auxílio-moradia. Depois da repercussão da notícia, pelo jornal Folha
de S.Paulo, de que Lewandowski teria se beneficiado com a decisão dele mesmo de
paralisar as investigações do CNJ (inspeção sobre pagamentos a desembargadores),
Peluso emitiu nota em defesa do colega de corte, usando o termo “covardia” para
qualificar o suposto desrespeito do CNJ sobre dados sigilosos dos juízes.
“Se o foi, como parecem indicar covardes e
anônimos ‘vazamentos’ veiculados pela imprensa, a questão pode assumir gravidade
ainda maior por constituir flagrante abuso de poder em desrespeito a mandamentos
constitucionais, passível de punição na forma da lei a título de crimes”, diz
trecho de nota assinada por Peluso.
Diante das reações, Eliana disse que não teria
cometido qualquer ingerência administrativa, e que a estão acusando de cometer
um “crime impossível”. “Quero pontuar que assumo a inteira responsabilidade
pelos meus atos, até para isentar juízes auxiliares que me representaram nas
inspeções, porque os atos são meus, unicamente. Trata-se de um linchamento moral
que só poderia ser direcionado a mim, se verossímil fosse”, protestou hoje
(quinta, 22) Eliana, queixando-se ainda do “espetáculo dantesco” promovido pelas
entidades junto à imprensa. “Estou absolutamente segura da veracidade do meu
agir, e só quem pode me julgar é o Supremo Tribunal Federal.”
A corregedora nacional de Justiça disse ainda
que acataria a determinação de Peluso e interromperia as inspeções do CNJ junto
às movimentações financeiras nas cortes do país. Mas a ministra, que
recentemente declarou haver “bandidos de toga” espalhados pelo Judiciário
brasileiro, adiantou que o trabalho já iniciado continuaria a ser relatado por
técnicos e juízes auxiliares, e que o resultado desse compêndio ficará
“guardado” à espera de uma decisão final do STF sobre as atribuições do
órgão.
(Congresso em
Foco)
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