Sabem aquele princípio de que todos são iguais
perante a Lei? Podem esquecer. Graças ao STF, que no dia 25 validou por
unanimidade a tese de que o sistema de cotas raciais nas universidades é
constitucional, esse princípio sagrado do Direito e da Democracia virou letra
morta. A partir de agora, está instituído oficialmente que há, no Brasil,
cidadãos e cidadãos – ou cidadãos e "afro-descendentes".
Lembram ainda daquela conclusão científica, a
que se chegou depois de anos de estudo, e que foi considerada um importante
avanço humanista quando divulgada há alguns anos, segundo a qual o conceito de
"raça" foi descartado como uma ficção racista que não tem nada a ver com a
biologia e quem tem raça, portanto, é cachorro? Pois é. Podem esquecer isso
também. De acordo com as incelenças togadas do STF, o racismo é algo que deve
ser não execrado, mas aplaudido. Abaixo Nelson Mandela! Abaixo Martin Luther
King! Viva Hitler! Viva Goebbels! Viva Gobineau!
Quem acompanhou a votação da matéria no STF
sabe do que estou falando. O principal tribunal do país, que já decidira mandar
às favas a Constituição em nome da "união homoafeativa" – revogando, assim, o
Artigo que trata da organização familiar e instituindo uma terceira categoria
sexual –, resolveu por bem avalizar a separação racial no Brasil. E com
argumentos, digamos, "progressistas", "do bem". Vejamos os votos de cada
magistrado.
O presidente do STF, ministro Carlos Ayres
Britto, justificou seu voto dizendo que “os erros de uma geração podem ser
revistos pela geração seguinte e que é isto que está sendo feito”. Espero
sinceramente que Ayres Britto esteja correto. Tanto que não perdi ainda a
esperança de que a próxima geração corrija o que o STF fez na última
quinta-feira. Aguardo o dia em que os pósteros restituirão a igualdade de todos
perante a Lei.
Ainda assim, fiquei intrigado com essa reedição
da teoria do pecado original: a que "erros de gerações passadas" o ministro
estaria se referindo? Se está falando da escravidão, acho justo que se corrija
esse erro histórico. Poderíamos começar exigindo indenizações dos descendentes
dos faraós por séculos de escravismo no Egito. Ou, se não quisermos retroceder
tanto no tempo, dos mercadores de escravos africanos, muitos dos quais – vejam
que coisa! – eram... negros! Quem vai corrigir os erros de gerações passadas de
donos de escravos, como era – descobriu-se há pouco – Zumbi dos Palmares? Os
descendentes de imigrantes japoneses?
Outro jurisconsulto, Ricardo Lewandowski,
afirmou que o sistema de cotas em universidades “cria um tratamento desigual com
o objetivo de promover, no futuro, a igualdade”. Entendi. É a famosa tese de que
é necessário promover a desigualdade agora em nome de uma igualdade num futuro
indeterminado... É, já tentaram isso antes, e deu no que deu. Por que não
garantir a igualdade hoje, e ponto final?
Luiz Fux disse que “não se trata de
discriminação reservar algumas vagas para determinado grupo de pessoas”, e
afirmou: "É uma classificação racial benigna, que não se compara com a
discriminação, pois visa fins sociais louváveis". Ah, bom! Anotem aí: separar as
pessoas pela cor da pele, criando um tribunal de pureza racial, não é
discriminação, mas uma "classificação racial benigna"… E isso porque, como diz o
ministro Fux, "visa fins sociais louváveis". Que fins sociais seriam estes?
Favorecer, com 20% das vagas garantidas, quem se declarar, e for considerado,
"negro" ou "pardo"... Muito louvável, não?
Seguindo o voto do relator, Rosa Weber disse
que o sistema de cotas “visa dar aos negros o acesso à universidade brasileira
e, assim, equilibrar as oportunidades sociais”. Pensei que o sistema que visa a
dar aos estudantes – negros ou não – acesso às universidades já tinha sido
criado: chama-se vestibular. Também acreditava que ser negro no Brasil era uma
questão mais de opinião do que de cor de pele propriamente dita. Mas deixa pra
lá. E quanto ao mérito pessoal? Deixa pra lá também.
Outra ministra, Cármen Lúcia, justificou seu
voto favorável às cotas citando duas histórias pessoais sobre marcas deixadas
pela desigualdade na infância. Reminiscências pessoais, sobretudo se forem da
infância, são uma arma infalível. Espero que Carmen Lúcia tenha sido pelo menos
original, e não tenha apelado para estórias como a da amiguinha negra que foi
barrada numa festinha de aniversário... Até porque não é com cotas raciais que
se vai resolver esse tipo de coisa.
Em seu voto, o ministro Joaquim Barbosa citou
um julgamento da Suprema Corte americana que validou o sistema de cotas para
negros nos Estados Unidos. Joaquim Barbosa é o único ministro do STF que poderia
ser considerado negro. Deve ser por isso que ele resolveu citar a Suprema Corte
dos EUA, país onde as relações raciais são um tantinho diferentes. Lá, eles
tiveram segregação nas escolas, as leis Jim Crow e a Ku Klux Klan. Aqui, tivemos
samba, feijoada e carnaval. Se Barbosa tivesse se lembrado que estava votando
para institucionalizar o racismo no Brasil, um país de mestiços, e não nos EUA,
talvez tivesse mudado seu voto.
Já Cezar Peluso não acha que a reserva de vagas
segundo o critério racialista fira o princípio da meritocracia. Segundo ele, o
que impede as pessoas de entrarem nas universidades não é uma educação de baixa
qualidade, mas a cor da pele, ou a auto-declarada cor da pele. É o fato, enfim,
de ser "afro-descendente", e não a pobreza ou outras dificuldades econômicas.
Argumento perfeito. Quer dizer o seguinte: se Peluso tivesse nascido com a tez
um pouco mais escura, ou com o cabelo pixaim, não teria chegado a ministro do
STF. Do mesmo modo, se Pelé tivesse nascido branco, não teria sido Pelé. Muito
lógico, não?
O único ministro que esboçou alguma crítica ao
modelo de cotas, tal como já adotado há alguns anos pela UnB, foi Gilmar Mendes.
Ele tentou argumentar que tal sistema pode gerar distorções e perversões. Pode,
não, ministro: já está gerando. Irmãos gêmeos já foram separados na UnB pelo
critério racialista – um havia se declarad
o “afro-descendente”; outro, não. Mendes também
votou pela constitucionalidade das cotas.
Celso de Mello, por sua vez, disse que “ações
afirmativas estão em conformidade com Constituição e com Declarações
Internacionais subscritas pelo Brasil”. Foi seguido por Marco Aurélio Mello.
Surge daí uma dúvida: se as cotas estão conformes à Constituição, certamente não
estão com o Artigo 5, que diz que todos são iguais perante a Lei. Quanto a
declarações internacionais subscritas pelo Brasil, gostaria de saber em qual
delas está escrito que se deve privilegiar indivíduos pela cor da pele. Porque
foi isso, senhores, que os ministros acabaram de aprovar!
Li que, durante a votação no STF, um índio
presente na platéia teve de ser retirado pelos seguranças porque estava
perturbando a sessão, gritando que deveriam ser reservadas cotas semelhantes
também para índios. Eu, que tenho cá uma gota de sangue índio, já estou pensando
em protocolar um pedido para ser beneficiado por esse sistema maravilhoso. Só
estou na dúvida se, pelo critério das cotas, eu teria direito a 50%, ou a 25%,
ou a 15% das mesmas, já que minha ascendência indígena se perde nas brumas do
tempo... Como ocorre com a maioria dos brasileiros, que, como dizia Gilberto
Freyre, trazem todos, mesmo o loiro de olhos azuis, a marca do negro, sou um ser
racialmente tão definido quanto a sexualidade de muitos artistas.
Tenho uma sugestão aos senhores ministros do
STF: por que não criar, estimulados pelo índio que queria apito, cotas para
pessoas que se declararem incolores, ou sem raça definida? Ou para torcedores do
Ferroviário? Por que não? Estes, pelo menos, eu sei que existem. Ao contrário da
auto-declarada "raça" batizada de "afro-descendente", algo real somente na
cabeça de militantes políticos e dos juízes do STF rendidos ao politicamente
correto.
* Por
Prof. Gustavo no Blog do Contra ... Gil ....
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