segunda-feira, 23 de julho de 2012

Por que a Suécia não está quebrada? ...

A Suécia é um país que levanta grandes dúvidas econômicas. Afinal, o que existe lá? Capitalismo, socialismo, uma mistura de ambos? Muitas pessoas já sabem que lá o governo executa diversas ações na sociedade, o que acaba gerando essa primeira dúvida. Mas além disso, se o governo é tão presente (incluindo muitos gastos), por que, diferente de países como Grécia e Espanha, a Suécia não está atolada em crises?
Do século XIX à década de 1930
A Suécia acaba sendo, mesmo que indiretamente, um bom exemplo contra a argumentação vitimista sobre o antigo colonialismo a respeito de desenvolvimento econômico. Segundo os defensores dessa ideia – que tem um ensino extremamente comum destinado aos jovens brasileiros nas escolas – a forma na qual o país foi colonizado exerce extrema influência sobre o desenvolvimento atual. O fato de um país ter sido colonizado por exploração (geralmente exploração de recursos naturais), segundo os defensores desse pensamento, exercerá grande influência negativa no desenvolvimento futuro do país, ao passo que uma colônia de povoamento (com o foco de desenvolver o local em questão) exercerá uma grande influência positiva no desenvolvimento local. Exemplos clássicos utilizados no Brasil são a colonização por exploração de Portugal sobre o Brasil e colonização britânica por povoamento sobre os EUA, mesmo com os EUA sofrendo com intervenções britânicas, principalmente no século XVIII.
Obviamente, logo após a independência, se um país foi colônia de povoamento pode estar até em boa situação, enquanto uma colônia de exploração tende a ser um pouco mais pobre. Porém, pegando esses casos clássicos, no longo prazo, a colonização deixa de exercer tanta influência, diminuindo cada vez mais conforme o tempo o passa. A declaração de independência dos EUA foi em 1776 e já se passaram 236 anos. A do Brasil foi em 1822 e já se passaram 190 anos. Qualquer vestígio de colonização pode ser apagado facilmente com todo esse tempo, caso boas medidas sejam realizadas. A Suécia entra nessa história com o fato de também ter sido pobre (assim como as colônias exploradas) até meados do século XIX, mudando sua própria história, da mesma forma que os países que foram “explorados” no passado tiveram séculos para fazer o mesmo, mas muitos não fizeram. Fatores como tempo não podem ser utilizados como desculpa.
Muitos suecos imigravam para os EUA nessa época, por exemplo, pois os padrões de vida de então eram próximos dos padrões de vida dos mais pobres países do mundo atual. Em 1868, londrinos organizaram arrecadações voluntárias de recursos a serem enviados para a então faminta Suécia. Além da fome, aproximadamente 17,4% das crianças nascidas não conseguiam completar nem um ano de idade e a expectativa de vida era de apenas 43 anos. Hoje em dia, é difícil imaginar uma situação dessa ocorrendo em um país que sempre está disputando a liderança em diversos índices mundiais como o IDH.
Porém, essa situação estava com os dias contados, pois boas reformas liberais vieram e o país começou a se desenvolver significativamente. Essas reformas incluíam a remoção de barreiras ao comércio, desregulamentação de empreendimentos, liberalização do sistema bancário, privatização de florestas e flexibilizações migratórias. Como resultado, o país, que estava passando fome, começou a se industrializar. Aliadas aos fortes valores empreendedores da sociedade, a situação do país então mudou. Cerca de metade das 50 maiores empresas suecas atuais surgiram nessa época, em que a Suécia se tornou uma nação exportadora e competitiva – não demorou muito para que as exportações representassem 25% do PIB.
Impostos sobre bens industriais variavam entre 3 a 5% por volta de 1875 (entre os menores do mundo), enquanto hoje são 25%. Os gastos públicos dificilmente representavam 10% do PIB (eram cerca de 6% por volta de 1880), enquanto hoje já são um pouco mais do que a metade. A situação começou a desandar por volta da década de 20, quando o socialista Karl Hjalmar Branting se tornou primeiro-ministro, fortalecendo o Partido Social-Democrata Sueco, que pelo menos é um pouco mais moderado que o Left Party. Até então, a Suécia chegava a ser tão (se não mais) liberal quanto os EUA e o Reino Unido.
A partir da década de 1930
Nesse período, o liberalismo virou passado. A situação começou a se degradar gradualmente até por volta da década de 1970, freando (um pouco) por volta de 1980. A carga tributária, que representava apenas 8% do PIB em 1929, passou a ser 46% em 1980 e mais de 50% na década de 2000. Por mais incrível que possa parecer, de 1950 a 2005 praticamente não foram criados empregos líquidos no setor privado. No setor privado, as demissões foram, por muitas vezes, superiores às contratações, enquanto no setor público o saldo sempre foi positivo, evidentemente. Os empregos no setor privado diminuíram durante 28 anos (1972 a 2000). Além disso, de 1960 a 2007, a porcentagem de funcionários que trabalhavam na agricultura e na manufatura diminuiu, enquanto o setor de serviços privado e, principalmente, o setor público cresceram. Como apenas a população total cresceu, assim como o número de funcionários púbicos e benefícios assistencialistas, o setor privado precisou ser espoliado cada vez mais para conseguir sustentar esse cenário.
Os valores da sociedade sueca (família, trabalho duro, individualismo independente porém sempre com a mão aberta quando o próximo precisar) foram perdidos, pois o estado passou a ser quem cuidava da educação. Os pais simplesmente delegavam a educação de seus filhos ao estado, composto por socialistas, feministas e por aí vai. Os filhos “aprendiam” (eram iludidos sobre) as maravilhas da esquerda, do socialismo, do igualitarismo, do assistencialismo, da liberdade (de responsabilidades), etc. Era inevitável que as crianças que crescessem sob esse sistema apenas saberiam clamar pelos seus “direitos”, mas nunca pelos seus deveres.
Consequentemente, a Suécia passou por problemas, como o crescimento real per capta. Não coincidentemente, o auge do assistencialismo e do intervencionismo ocorreu no mesmo período em que crescimento real foi menor:

A Suécia se beneficiou por não ter sido destruída na Segunda Guerra Mundial, o que também quebra o argumento de que guerras incentivam a economia. Enquanto outros países destruídos reconstruíam suas respectivas economias (“crescendo”), a Suécia sempre estava um passo a frente, só precisando aprimorar aquilo que já existia.
O país pode não estar quebrando hoje, mas no passado as coisas não estavam funcionando bem. Os déficits fiscais aumentaram, a competitividade diminuiu e a economia estagnou, enquanto a inflação e a insatisfação só cresciam. No entanto, em 1976, depois de 40 anos, os social-democratas esquerdistas saíram do poder, em uma coalização mais direitista liderada pelo Centre Party, com o apoio do Liberal Party e do Conservative Moderate Party, elegendo Thorbjörn Fälldin, freando (um pouco) a expansão socialista. Porém, as reformas foram fracas e o emprego caiu 10% no início dos anos 1990, assim como o déficit fiscal passava de 10% do PIB.
Então, nos anos 1990, reformas mais firmes foram iniciadas. O Banco Central, que pelo menos se tornou mais independente, adotou uma meta de inflação de 2%, o déficit sumiu e o governo conseguiu um superávit em 1998 (com 0,7%) e desde então isso se repetiu (exceto em 2002, 2003 e 2009, mas pouco, nada ridículo como antes). Liberalizações nos mercados de bens e serviços como eletricidade, ferrovias, setor aéreo e previdenciário, educação, entre outros (incluindo a privatização da marca de bebidas Absolut Vodka em 2008), além de reduções de impostos e benefícios (que ainda continuaram altos, só que não tanto quanto antes) facilitaram o bem andar da economia.
A alta carga tributária, mesmo parando de aumentar (evitando que ficasse ainda maior), resultou em uma mudança empregacional nas multinacionais suecas. Em 1987, cerca de 500 mil funcionários trabalhavam em uma multinacional sueca fora da Suécia, enquanto no país eram cerca de 750 mil. Conforme o tempo foi passando, países mais próximos, principalmente no leste e no centro da Europa, começaram a realizar reformas pró-mercado, e as empresas suecas viram ali melhores oportunidades. Com isso, gradualmente, empregos foram fechados na Suécia e abertos em outros países, sendo que em 2006 o número de empregos que existiam nessas empresas na Suécia caiu para cerca de 500 mil (250 mil a menos), enquanto em outros países subiu para mais de 1 milhão (mais de 500 mil a mais).
Os recentes números da economia, em coroas suecas:
PIB:
2008: 3,204 trilhões
2009: 3,105 trilhões
2010: 3,330 trilhões
2011: 3,495 trilhões
Déficit/superávit governamental (% do PIB):
2008: 69,4 bilhões (2,2%)
2009: -22,2 bilhões (-0,7%)
2010: 8,3 bilhões (0,3%)
2011: 10,0 bilhões (0,3%)
Gastos públicos, em porcentagem no PIB:
2008:
51,7%
2009: 54,9%
2010: 52,5%
2011: 51,3%
Receita governamental, em porcentagem no PIB:
2008:
53,9%
2009: 54,0%
2010: 52,4%
2011: 51,4%
Dívida governamental (% no PIB):
2008:
1,243 trilhão (38,8%)
2009: 1,322 trilhão (42,6%)
2010: 1,313 trilhão (39,4%)
2011: 1,341 trilhão (38,4%)
A Suécia, diferente de boa parte do mundo, tentou ser responsável em relação a dívidas durante a crise. Desde 1999 a dívida governamental, além de estar diminuindo cada vez mais de forma gradual, está abaixo da média dos países da União Europeia, sendo menor do que a metade da dívida desses países. A Suécia, de certa forma, já estava seguindo o caminho inverso da Europa dos últimos tempos: ao invés de (mais) estatismo, estão diminuindo, mesmo que lentamente, o tamanho do estado.
O que serve para quase dar sustento ao assistencialismo e, ao mesmo tempo, refutar a ideia de que a Suécia é um misto de capitalismo com socialismo é a liberdade econômica desconsiderando impostos. A alta carga tributária, evidentemente, é um fator que diminui a liberdade, pois o estado acaba redirecionando ainda mais recursos coercivamente. Porém, não são apenas impostos que pesam sobre a liberdade econômica. Burocracia, regulamentações e intervenções em geral também pesam muito e nisso a Suécia consegue ir relativamente bem.
No índice de facilidade de fazer negócios (ease of doing business index, no nome original), do Banco Mundial, a Suécia se posicionou em 14º de 183 países em 2011 e 2012, melhorando lentamente nos últimos anos. Porém, o índice tem algumas coisas que diferem de liberalismo econômico. No que interessa ao leitor do artigo, no quesito comércio através da fronteiras, por exemplo, que inclui documentação e tempo necessários, além de custo por contêiner, o país está em 8º. Para o desespero de alguns nacionalistas, o tempo é um fator mais favorável para importações do que exportações. Geralmente, são necessários 8 dias para exportar, enquanto para importar são apenas 6.
A Suécia também se dá bem no índice de liberdade econômica da Heritage Foundation. Desde os anos 1990 o país aumenta, gradualmente, a sua posição no ranking. Só que ainda mais importante do que esse aumento gradual em si são as características suecas no ranking. Dos 10 fatores levados em consideração, apenas em 3 a Suécia tem liberdade abaixo da média mundial, que são, obviamente, liberdade fiscal e gastos governamentais, além de liberdade trabalhista. Dos 3, liberdade trabalhista está só um pouco abaixo da média mundial, enquanto fatores como liberdade de negócios e direitos de propriedade estão extremamente acima da média, com os direitos de propriedade disputando acirradamente a liderança mundial, sendo que por oito anos o país liderou nesse quesito na década de 2000. A “função social” da propriedade não deve estar sendo levada muito a sério por lá.
Portanto, é um erro chamar a Suécia de socialista ou qualquer outra coisa do tipo, principalmente de meados da década de 2000 para os dias atuais. O país se beneficiou de boas reformas liberais no século XIX e passou por um período mais “infeliz” em boa parte do século XX, que resultaram em vários problemas econômicos nas últimas décadas. Talvez esse período possa até ser considerado mais um misto real de capitalismo com socialismo, mas os resultados dele mostram que não é algo benéfico. Benéfico foi o período iniciado em meados dos anos 1990, em que o desemprego diminuiu e políticas públicas minimamente responsáveis surgiram, como uma leve redução de gastos públicos e impostos, além de estabilizações das contas públicas e liberalizações econômicas, que permitiram que a Suécia voltasse a ter uma economia mais estável. Pelas características suecas, caso ali existisse um estado menor, muito provavelmente o país estaria colocado entre os mais liberais do mundo, mesmo não estando longe disso atualmente, já que os altos impostos jogam para baixo a percepção de liberdade econômica lá existente.  (Posted by in Cultura, Economia, Educação, História, Internacional, Política, Sem categoria )

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