Após a presidente Dilma ter afirmado que era "ridículo" dizer que o país corria o risco de racionamento, os níveis mais baixos dos reservatórios das hidrelétricas fizeram as indústrias já planejarem a redução do consumo, admitindo um "racionamento branco".
Em nota, a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia disse que as empresas que compram no mercado livre poderiam reduzir seu consumo. Em um ano, o preço do megawatt-hora subiu mais de 4.000%. Com temor de racionamento, as ações das elétricas caíram quase 5%
Com nível de reservatórios baixo e preços
altos, indústria já pensa em racionar consumo
Ano novo, velhos problemas
Rio e Brasília Apesar de a presidente Dilma
Rousseff ter afirmado, no último dia 27, que era "ridículo dizer" que o país
corria o risco de racionamento de energia, os níveis cada vez mais baixos dos
reservatórios das usinas hidrelétricas levaram as indústrias a já falar em
reduzir o consumo, adotando um "racionamento branco". A Associação Brasileira de
Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace),
que reúne as principais indústrias intensivas em energia, afirmou em nota que as
empresas que compram energia no mercado livre poderiam reduzir o seu consumo
neste momento.
A Abrace considerou preocupante o fato de que,
com a redução do nível dos reservatórios, os preços da energia no mercado livre
dispararam nos últimos dias. Segundo dados da Câmara de Compensação de Energia
Elétrica (CCEE), o preço do megawatt/hora (MWh) atingiu o maior patamar dos
últimos cinco anos: R$ 554,82. Esse preço representa um aumento de 4.194% em
relação aos R$ 12,92 registrados em janeiro do ano passado. O temor de um
possível racionamento fez com que os papéis das empresas do setor elétrico
caíssem quase 5% ontem na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).
Raimundo de Paula Batista, diretor da Enecel
Energia - comercializadora de energia no mercado livre - disse que o governo
deveria propor às indústrias eletrointensivas uma redução no consumo de energia
por um período curto, de dois a três meses:
- É um racionamento branco, uma redução
programada no consumo. Não afetaria o crescimento da economia no ano, mas
permitiria de imediato uma redução da ordem de 3 mil MW de energia no consumo. O
risco não é a curto prazo, mas sim o abastecimento em 2014, ano da Copa do
Mundo.
A Abrade afirmou, em nota, que, diante dos
elevados preços da energia no mercado livre, "empresas que estão comprando no
mercado à vista podem avaliar a possibilidade de reduzir sua demanda neste
momento". A entidade afirmou ainda que, em função do funcionamento a plena carga
das térmicas, o Encargo de Serviços do Sistema (ESS), cobrado nas tarifas, só em
dezembro deverá atingir o recorde histórico de R$ 929,2 milhões, fechando 2012
total de R$ 2,7 bilhões.
Apesar de o chamado período de chuvas ter
começado em novembro, até o momento o volume de água tem sido muito baixo.
Ontem, o nível dos reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste estava em
28,5%, um pouco abaixo dos 28,8% do último dia 4 e bem próximo ao nível de
segurança da área, que é de 28%. Já no Nordeste o nível está em 30,9%, contra
31,8% anteriormente. Ou seja, abaixo do patamar de segurança de 34%.
COMITÊ DO SETOR ELÉTRICO SE REÚNE AMANHÃ
O meteorologista Alexandre Nascimento, do
Climatempo, destacou, por sua vez, que tudo indica que as chuvas previstas até
abril, quando termina o período úmido, não serão suficientes para elevar
significativamente o nível dos reservatórios. Segundo ele, seria preciso chover
entre mil e 1.200 milímetros nos próximos meses para aumentar o volume de água
nos reservatórios. Mas o volume esperado de chuva é de 350 milímetros.
- A expectativa é de chuvas irregulares e de
baixo volume de água para os próximos meses, insuficientes para elevar o nível
dos reservatórios - afirmou Nascimento.
Está marcada para amanhã uma reunião do Comitê
de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) para avaliar a situação dos
reservatórios das usinas hidrelétricas e do abastecimento de energia no país.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, a presidente Dilma não participará. A
presidente deve receber um relatório e, se for preciso, convocará uma reunião do
Conselho de Política Energética.
O governo assegura que o fornecimento está
garantido. Mas, para especialistas, começam a surgir alguns problemas de
logística.
O professor da Universidade Federal de Itajubá
Afonso Henriques Moreira, ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e
Energia, disse que já relatos de falta de caminhões-tanques para fornecer gás
para abastecer algumas térmicas.
- Pode não ter apagão de energia. Mas o custo
está inadministrável, a situação está extremamente incômoda. Não sei se temos
logística - afirmou Afonso Henriques.
O professor Nivalde de Castro, coordenador do
Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, disse que acendeu a luz
amarela no governo e que a reunião é mais preventiva. A seu ver, o governo
precisa ouvir o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável pelo
acompanhamento do setor. Para ele, até abril o governo não tem condições de
decidir se vai ou não decretar racionamento.
- A chuva é uma probabilidade. e pode chover ou
não. E a probabilidade histórica é de que chova no período úmido - disse o
professor.
Ele admitiu que a situação é crítica e que a
quantidade de chuvas está bem abaixo da média. E disse que o nível dos
reservatórios está abaixo da curva de aversão a risco em todos os quatro
subsistemas: Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Por isso, explicou,
não adianta ter linha de transmissão para levar energia de uma região a outra.
Problema diferente do de 2001, quando houve o racionamento de energia e os
reservatórios da Região Sul estavam cheios, mas não havia linhas de transmissão
para enviar energia ao Sudeste. Mas, segundo o professor, ainda estamos no
início do segundo mês do período chuvoso.
Já Afonso Henriques afirmou que a vazão dos
rios deverá ficar abaixo da média em todas as bacias, sendo a situação pior nos
rios Paraná e do São Francisco. Mas ele não acredita em racionamento:
- O último lugar que o governo vai cortar é na
energia elétrica. Ele poderá, por exemplo, chamar os grandes consumidores e
propor uma redução de 3% da carga e dar uma contrapartida, como uma linha de
financiamento - disse.
Ele enfatizou que o correto seria que as usinas
térmicas funcionassem durante todo o ano, para garantir um nível mais alto dos
reservatórios das hidrelétricas:
- O modelo de operação do sistema está errado,
estamos dizendo isto há muito tempo.
O governo vem lançando mão de todas as fontes
de energia alternativas para compensar a falta de chuvas. As 204 hidrelétricas
do país respondem por 65,98% da energia total produzida.
A segunda alternativa é utilizar as 1.606
termelétricas em operação, que representam 27,08%. Mas a questão é se elas serão
suficientes para atender a todo o consumo do país.
Para a Federação das Indústrias do Estado do
Rio de Janeiro (Firjan), aumentou o risco de racionamento de gás.
- Não diria que estamos na eminência de ter
apagão. O risco é maior de racionamento de gás, porque pode ser que governo
precise pedir às industrias que abram mão de gás para ceder para as térmicas. Já
tivemos episódios no passado, como em 2008 - disse Cristiano Prado, gerente de
infraestrutura da Firjan.
Ramona Ordoñez Mônica Tavares O Globo
O Globo ...
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