Diante dessa ficha, qual banco
toparia emprestar dinheiro para Faria e suas empresas? O Banco do
Nordeste, o BNB, criado no governo de Getúlio Vargas para ajudar no
desenvolvimento econômico da região – mas que, desde então, é usado com
alarmante frequência para ajudar no desenvolvimento econômico dos
políticos que mandam nele. Desde que o PT chegou
ao poder, em 2003, o BNB, custeado com R$ 13 bilhões em dinheiro
público, vem sendo aparelhado pelo partido. As previsíveis
consequências transcorreram com regularidade desde então. Escândalos,
escândalos e mais escândalos. O último deles, em 2012, revelado por ÉPOCA, derrubou a cúpula do banco após
a PF entrar no caso – e deflagrou uma cascata de investigações dos
órgãos oficiais, como a Receita, o Tribunal de Contas da União e o MP.
Apesar disso, o aparelhamento petista no BNB perseverou, como Faria
perseverara. Ambos perseveraram porque partidos como o PT precisam de
empresários como Walter Faria, e empresários como Walter Faria precisam
de partidos como o PT.
No segundo mandato de Lula, Faria,
segundo fontes do PT e no BNB, tornou-se próximo dos líderes do partido,
como o ex-presidente da República e o tesoureiro informal da legenda,
João Vaccari. E manteve essas boas relações. Pelas leis da política, a
história que se narra a seguir – fundamentada em documentos internos do
BNB, relatórios do TCU e entrevistas com os envolvidos – era inevitável.
Ainda no começo de 2013, Faria conseguiu obter do BNB um empréstimo de
R$ 375 milhões para construir a fábrica na Bahia. Naquele momento, a
nova cúpula do BNB, sob o trauma recente do escândalo que derrubara a
diretoria anterior, relutava em fazer negócio com Faria. O então
presidente do banco, Ary Joel Lanzarin, fez questão de que Faria
apresentasse garantias sólidas para o empréstimo. Exigiu uma garantia
conhecida como carta-fiança, em que outro banco garante cobrir o valor
devido em caso de calote. Para quem empresta, como o BNB, é um ótimo
negócio – praticamente zera o risco de calote. Para quem recebe o
dinheiro, nem tanto. Uma carta-fiança tem um custo anual, que varia
entre 0,5% e 3% do total do empréstimo.
Durante as tratativas, Faria
reclamava. Dizia que perderia muito dinheiro com a carta-fiança. Mas
capitulou. Ao fim, obteve dois empréstimos, ambos sob as mesmas
condições. O de R$ 375 milhões seria destinado à construção da fábrica em Alagoinhas. Outro, fechado depois, em abril de 2014, no valor de R$ 452 milhões, serviria para construir outra fábrica da Itaipava, em Pernambuco. No total,
portanto, Faria obteve quase R$ 830 milhões do BNB. Cada empréstimo
tinha como principal garantia uma carta-fiança, que cobria integralmente
o valor emprestado pelo BNB. Faria teria juros baixos, 11 anos para
pagar e dois anos de carência para começar a devolver o dinheiro. Os
técnicos do BNB classificaram a operação como segura, em virtude da
carta-fiança.
Em conversas com os diretores do
BNB, no entanto, Faria não desistia de rever a garantia da carta-fiança.
Queria porque queria que o banco abdicasse dela, topando ter como
principal garantia as fábricas construídas com o dinheiro emprestado.
Faria dizia, nesses encontros, que a exigência da fiança lhe custava o
equivalente a 2% do valor dos empréstimos – o equivalente a quase R$ 17
milhões ao ano. Para o BNB, era um pedido aparentemente impossível de
atender, como seria para qualquer banco privado. Ainda mais porque, pelo
contrato de empréstimo, os juros eram pré-fixados. Ou seja: o BNB não
poderia compensar a garantia pior com um aumento nos juros do
empréstimo. Segundo as regras do Banco Central e três especialistas de
três grandes bancos, se o BNB aceitasse as condições de Faria, teria de
rebaixar internamente a classificação de qualidade do empréstimo. Essa
medida é obrigatória e forçaria o BNB a reservar dinheiro próprio para
pagar ao menos parte da dívida de Faria, caso ele desse calote. No
jargão do mercado, isso se chama “provisionamento”. Nenhum banco toparia
fazer isso. É um péssimo negócio. “Nunca vi alguém aceitar algo
parecido”, diz um economista que trabalha com esse tipo de operação para
um grande banco brasileiro.
Mas o impossível é sempre uma
possibilidade na política brasileira. Ainda em abril de 2014, Ary
Lanzarin, o presidente que tentava moralizar o BNB, deixou o cargo. O PT
pressionava para voltar ao comando absoluto do banco. A presidente
Dilma Rousseff aceitou. As diretorias do BNB foram entregues novamente a
afilhados de políticos petistas, como o ministro da Defesa, Jaques
Wagner. Procurado por ÉPOCA, Wagner preferiu não comentar o assunto. O
jogo mudara.
Meses depois, no auge da campanha à
reeleição de Dilma e dos esforços de arrecadação dos petistas, Faria
conseguiu o impossível. No dia 10 de setembro, protocolou o pedido de
dispensa da fiança do empréstimo da fábrica na Bahia. Uma semana depois,
o pedido foi analisado – numa velocidade espantosa para os padrões de
um banco tão lento e burocrático quanto o BNB. Num intervalo de pouco
mais de 24 horas, o pedido passou por cinco instâncias do BNB e foi
aprovado pelo Conselho de Administração do banco, segundo os documentos
obtidos por ÉPOCA. Estava no papel: o BNB aceitara, em tempo recorde,
abdicar de uma garantia 100% segura por outras mequetrefes, se
comparadas à carta-fiança. De quebra, teve de reservar R$ 3,6 milhões no
balanço – o tal “provisionamento” – para cobrir o mau negócio que
fechara.
Alguns técnicos do banco não
gostaram da solução encontrada. Para demonstrar insatisfação, deixaram
claro que a dispensa da fiança não seria inócua para o BNB. Em um
documento interno obtido por ÉPOCA, funcionários afirmaram: “O nível de
risco atualmente corresponde a 8,75 (AA), quando considerada a fiança
bancária. Quando considerada a garantia hipotecária do complexo
industrial, passa a ser 6,05 (B)” (leia abaixo). Fica claro que
a substituição da fiança só interessava mesmo a Faria. A decisão do BNB
também contrariou frontalmente uma das principais cláusulas que
permitiram a assinatura do contrato: “Outras instituições financeiras de
primeira linha estarão comprometidas com o projeto durante o prazo de
11 anos, visto que a fiança que comporá a garantia da operação terá
vigência por todo o período do financiamento”.
No dia 29 de setembro, apenas 12
dias após seu Grupo Petrópolis obter o impossível no BNB, Faria
depositou R$ 5 milhões na conta da campanha de Dilma. Até o dia 3 de
outubro, a campanha dela receberia outros R$ 12,5 milhões. No total,
Faria doou R$ 17,5 milhões. Tornou-se, assim, o quarto maior doador da
campanha da presidente. É aproximadamente esse valor que Faria gastaria
com as fianças anuais dos dois empréstimos. O pedido para que o segundo
empréstimo, o da fábrica em Pernambuco, também seja dispensado da
carta-fiança será feito em breve. Segundo fontes na cúpula do BNB, está encaminhado para ser aprovado.
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