Durante
16 meses, cerca de 4,7 milhões de pessoas leram, curtiram ou
compartilharam alguma matéria produzida pelo Spotniks abordando o BNDES –
seja aqui ou nos mais de 100 blogs, sites ou canais do YouTube que
replicaram o nosso conteúdo. O número, pouco mais de 3% do eleitorado
brasileiro, não ocorre sem motivo. Durante toda gestão de Guido Mantega
como Ministro da Fazenda, o banco tornou-se peça chave na política
econômica do governo. Induzir o crescimento através das
ações estatais foi durante muito tempo o lema, e o BNDES seu
instrumento. Para produzir este crescimento, o banco recebeu nada menos
do que R$ 455 bilhões em títulos da dívida, passando a ser responsável
sozinho por 21% do crédito disponível no país – e, como descobriu-se
mais tarde, o articulador de uma política que buscava apoiar países
estrangeiros como Cuba, Venezuela, Argentina e Bolívia, com crédito
subsidiado.
Nossa primeira matéria
abordando o tema aconteceu ainda nas nossas primeiras semanas de
atividade, em outubro de 2014, no auge da eleição, quando apresentamos
uma seleção de 20 obras financiadas pelo banco, que iam do metrô da
capital venezuelana a rodovias em nações africanas. Na época, o banco
ainda lutava para manter secretos os valores e termos de contratos –
algo que apenas tornou-se público em junho de 2015. Para produzir a
matéria, portanto, tivemos de recorrer a mais de uma centena de fontes,
como jornais, revistas e publicações contábeis das empresas envolvidas,
tudo para garantir a precisão dos fatos e mostrar algo que antes não
parecia tão óbvio: a obra do porto de Mariel em Cuba era a regra, não a
exceçã
A
repercussão da matéria, que abordava uma questão até então esquecida
pela grande mídia, chegou ao Congresso. Em março de 2015, o deputado
tucano Vanderlei Macris utilizou-se da nossa publicação como
embasamento para convocar Armando Monteiro, Ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a depor acerca dos empréstimos do
BNDES a países estrangeiros.
Sem nenhum
espanto, o tema tornou-se alvo de uma CPI no Congresso. A CPI do BNDES
foi instalada em agosto de 2015, quase um ano após nossa
publicação inicial sobre a instituição. Como resposta, no mesmo período
lançamos uma matéria que esclarecia as razões pelas quais investigar o
banco era algo plenamente plausível – e fazíamos uma previsão, com sua
chamada: 7 razões pelas quais o BNDES pode se tornar o maior escândalo da história.
Abordamos o fato de que 1) a instituição financiou fusões e aquisições
que não apenas não geravam empregos como terminaram por concentrar o
mercado; 2) que o banco possuía uma carteira de R$ 55 bilhões dedicada à
especulação financeira em um momento no qual o governo, seu acionista
controlador, alegava para a sociedade estar sem recursos, como
justificativa para elevar impostos; 3) que o fato do banco destinava 70%
de seus empréstimos para 1% das empresas, aquelas de grande porte cujo
faturamento ultrapassa R$ 300 milhões anuais; 4) que o banco destinava
apenas para subsidiar grandes empresas, um valor equivalente ao que o
governo destinava a pagar o Bolsa Família para 40 milhões de
beneficiários, transformando o BNDES num “bolsa família ao contrário, um
motor de desigualdade: tira dos pobres para dar aos ricos”.
Tamanha incisão nos questionamentos fez com que o banco lançasse nota pública
para rebater as acusações. Num informe que não negava nenhuma das
informações apresentadas na matéria, o banco sugeria “olhar para o lado
positivo” ao se fazer a análise. Uma recomendação no mínimo curiosa de
uma instituição que não admite em seu balanço o custo real do dinheiro
que utiliza, para assim poder magicamente registrar lucro. Lançamos
então uma tréplica, até hoje sem resposta.
Apresentamos também, ainda em 2015, uma matéria listando As 20 obras mais caras da Odebrecht no exterior financiadas pelo BNDES,
que apenas confirmavam que a política para favorecer governos de
partidos aliados era a regra, mesmo sem qualquer critério técnico.
Apontamos também, já no ano passado, que essas obras aconteciam “sob tutela do ex-presidente Lula”. No mesmo ano, ainda lançamos uma lista com
as empresas brasileiras que mais recebiam verbas do BNDES e enumeramos
todos os escândalos em que elas estavam metidas. Listamos também alguns
dos inúmeros movimentos sociais que apoiavam o governo e recebiam repasses do banco, seguindo os mesmos critérios técnicos esdrúxulos para as obras apoiadas no exterior pela instituição.
Ao longo
de toda a CPI, nossas perguntas se repetiram, forçando o presidente do
banco, Luciano Coutinho – além de seus diretores -, a respondê-las de
inúmeras formas, com explicações que fariam qualquer um dos presentes
negar a própria realidade para afirmar, sem medo, que o banco estava
garantindo um crescimento quase mágico ao país, em pleno ano de
recessão.
Para além
dos slides e apresentações dos membros do banco, o então ministro da
Fazendo, Joaquim Levy, encarregou-se de 1) encerrar o chamado “programa
de campeões nacionais”, 2) reduzir os repasses do banco, 3) encerrar os
aportes do Tesouro no banco, e por fim 4) reduzir o tamanho da carteira
de ações da BNDESpar, a subsidiária de investimentos do banco. Ponto por
ponto, tudo o que foi questionado esteve de acordo com a visão do novo
ministro da Fazenda, e contrário ao cenário otimista pintado pela
diretoria da instituição. A ideologia curvou-se à realidade.
O resultado da CPI e o que está por vir.
De curta duração e ofuscada pela Lava-Jato, a CPI do BNDES chega ao seu fim nessa semana com um relatório
que deverá pedir algumas condenações, como a de um sobrinho da
ex-esposa do ex-presidente Lula, e de seu amigo, José Carlos Bumlai,
preso pela Lava-Jato – ambos por irregularidades em empréstimos junto à
instituição.
O
resultado prático do relatório é condenar e sugerir mudanças em práticas
de gestão do banco, a despeito de confirmar que existem suspeitas a
respeito da agilidade com que certos empréstimos foram concedidos.
Para um
dos relatores da CPI, a prática de contabilidade criativa está presente
também no banco. O ato de mudar terminações e assim transformar
prejuízos em lucros para então permitir o pagamento de dividendos que
aliviem as contas do governo é o melhor exemplo disto. Ambos os
relatores concordam que a prática de campeões nacionais e a formaçaõ de
monopólios, também elencadas aqui como questões relevantes a serem
investigadas, resultou em efeitos nocivos ao mercado.
O relator
apresenta também uma acusação de que o banco teria permitido o uso de
artifícios contábeis para pagar R$ 300 mil em termos de “participação no
lucros” para cerca de 150 funcionários da instituição (em um banco de
fomento que recebe recursos que custam ao tesouro mais de duas vezes o
valor que o banco cobra de seus clientes). Um dos 4 relatórios
setoriais, o do deputado Alexandre Baldy, do PSDB-GO, chega a pedir o
indiciamento do presidente do banco, Luciano Coutinho, por gestão
fraudulenta e prevaricação em operações realizadas com o grupo São
Fernando, do pecuarista José Carlos Bumlai, além de pedir o
prosseguimento de investigações contra o atual governador de Minas
Gerais, Fernando Pimentel, do Partido dos Trabalhadores, iniciadas pela
Operação Acrônimo, da Polícia Federal.
Como
mencionamos, nada menos do que 70% dos empréstimos para serviços no
exterior possuem uma única empresa como responsável: o grupo baiano
Odebrecht, cujo presidente encontra-se preso há 8 meses na carceragem de
Curitiba. Como também mencionamos, tais empréstimos, por serem feitos
em moeda estrangeira e com juros subsidiados, causaram um prejuízo anual
de R$ 1 bilhão ao FAT Cambial, o fundo ligado ao FAT (Fundo de Amparo
ao Trabalhador), de onde saem os recursos para tais financiamentos. O prejuízo chega a R$ 11 bilhões desde 2005.
Segundo
apuração da revista Época, agora cogitada pela Polícia Federal, tais
obras incluem ainda aquelas nas quais o ex-presidente Lula está sendo
investigado por facilitar o andamento junto ao banco e à obtenção de
contratos, em um crime de “tráfico de influência”. Em um dos casos, o do
Porto de Mariel, em Cuba, a revista aponta irregularidades como o uso
de rendas de exportação de tabaco como garantia, e de moedas como o peso
cubano, além de prazos mais alongados de pagamento.
O grande
destaque negativo na trajetória da CPI em desmantelar as práticas
suspeitas do BNDES, reside na ausência de depoimentos dos donos da JBS
– uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, responsável pela
Friboi e uma das principais beneficiárias de empréstimos do banco.
Como 20 dos 27 integrantes da CPI receberam doações da empresa em suas
campanhas, tal fato não chega a ser uma surpresa. Mas a falha é grave.
Cerca de 1/3 do capital da JBS encontra-se sob a posse do BNDES e da
Caixa Econômica Federal, uma situação conflituosa – uma vez que a JBS é a
maior doadora de campanhas do país, com R$366 milhões doados em 2014.
Desde que
iniciamos nossa cobertura nestes eventos, pudemos acompanhar a evolução
de um processo de quase zero transparência para um jogo de marcação
cerrada por parte de órgãos como o TCU, além de derrotas seguidas do
banco em sua tentativa de negar acesso aos dados dos empréstimos.
Acompanhar
casos como esse, colaborando em reunir e apresentar informações, tem
sido a missão da nossa publicação desde sua criação. Como bem se sabe, o
BNDES opera com recursos comuns a todos nós; sejam títulos da dívida
pública ou recursos do FAT, oriundos do FGTS, que é parte do salário de
todo trabalhador. É razoável, portanto, lançar questionamentos ao menor
sinal de fumaça e acompanhar os fatos – trabalho que só tem sido
possível graças aos leitores, e em especial aos financiadores da
página que, dos pequenos centavos às centenas de reais, ajudam a
mantê-la no ar (e se você quer saber como apoiar esse projeto é só dar uma lida nesse texto).
Nos
próximos meses, o BNDES será uma bomba prestes a explodir no colo do
governo. Essa, porém, não será nenhuma novidade aos leitores dessa
publicação.
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