Acusada de irregularidades e pagamento
de propina, a construtora Delta, uma das maiores do país, agoniza. Nos
bastidores, seu dono ameaça revelar segredos que comprometeriam políticos e
outras grandes empreiteiras.
Blefe? - Fernando Cavendish, proprietário da Delta,
tem enviado recados a grandes empreiteiros e políticos sobre o risco de surgirem
revelações envolvendo caixa dois e dinheiro para campanhas eleitorais (Cristiano
Mariz e Oscar Cabral).
É absolutamente previsível a explosão que pode
emergir de uma apuração minuciosa envolvendo as relações de uma grande
construtora, no caso a Delta Construções, e seus laços financeiros com políticos
influentes. A empreiteira assumiu o posto de líder entre as fornecedoras da
União depois de contratar como consultor o deputado cassado José Dirceu, petista
que responde a processo no Supremo Tribunal Federal (STF) no papel de "chefe da
organização criminosa" do mensalão. Além disso, consolidou-se como a principal
parceira do Ministério dos Transportes na esteira de uma amizade entre seu
controlador, Fernando Cavendish, e o deputado Valdemar Costa Neto, réu no mesmo
processo do mensalão e mandachuva do PR, partido que comandou um esquema de
cobrança de propina que floresceu na gestão Lula e só foi desmantelado no ano
passado pela presidente Dilma Rousseff. A empreiteira de Cavendish é dona da
maior fatia das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tem
contratos avaliados em cerca de 4 bilhões de reais com 23 dos 27 governos
estaduais. Todo esse império começou a ruir desde que a Delta foi pilhada no
epicentro do escândalo envolvendo o contraventor Carlos Cachoeira. Se os
segredos de Cachoeira são dinamite pura, os de Cavendish equivalem a uma bomba
atômica. Fala, Cavendish!
Na semana passada, a CPI do Cachoeira aprovou a
convocação de 51 pessoas e 36 quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico.
Os números foram festejados pela cúpula da comissão como prova inconteste da
disposição dos parlamentares para investigar os tentáculos da máfia da jogatina
nos partidos políticos, na seara das empreiteiras e na administração pública.
Sob essas dezenas de votações, no entanto, esconde-se a operação patrocinada
pelo ex-presidente Lula e alguns políticos para impedir que a bomba atômica de
Cavendish seja detonada. A estratégia é enaltecer as convocações e quebras de
sigilo relativas a empresas e personagens já fartamente investigados pela
Polícia Federal. Assim fica mais fácil despistar as manobras para evitar que
Cavendish conte tudo — mas tudo mesmo — o que sabe sobre como obter obras
públicas pagando propinas a pessoas com poder de decisão nos governos.
Investigar a Delta, aliás, foi considerada a tarefa prioritária pelos próprios
delegados da Polícia Federal que prestaram depoimento à CPI. Eles disseram que
desvendar os mecanismos subterrâneos de concessão de obras públicas no Brasil
seria o maior legado da CPI. Fala, Cavendish!
Deflagradas pela Polícia Federal, as operações
Vegas e Monte Carlo revelaram o envolvimento do contraventor Carlos Cachoeira
com políticos como o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) e Cláudio Abreu,
ex-diretor da Delta na Região Centro-Oeste. Entre outras atividades, o trio agia
para abrir os cofres dos governos estaduais e federal à empresa. Para tanto,
ofereceria propina em troca de contratos. A PF colheu indícios desse tipo de
oferta criminosa, por exemplo, em Goiás e no Distrito Federal. Foi com base
nessa delimitação geográfica que os petistas defenderam uma investigação sobre a
atuação da empreiteira apenas na Região Centro-Oeste — tese que saiu vitoriosa
na semana passada. "Não há conversa gravada do Cachoeira com o Fernando
Cavendish. A CPI não pode se transformar numa casa de espetáculo", bradou o
deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). "A generalização beira a uma devassa",
reforçou Paulo Teixeira (PT-SP). Os petistas cumpriram à risca as ordens dadas
por Lula um dia antes, quando ele esteve em Brasília para a cerimônia de
instalação da Comissão da Verdade. A ordem foi calar Cavendish. Mas o correto é
o contrário. Fala, Cavendish!
O ex-presidente sabe do potencial de dano ao PT
e a seus aliados caso Fernando Cavendish conte como a sua Delta conseguia seus
contratos de obras e, em troca, pagava políticos. Numa conversa gravada com
ex-sócios, Cavendish os incentivou a cortar caminho para o sucesso comprando
políticos. Na tabela da corrupção da Delta, um senador, por exemplo, custaria 6
milhões de reais. A Delta tem obras contratadas por governadores pertencentes
aos maiores partidos do país — PT, PSDB e PMDB. Será que essa onipresença da
Delta explica as razões pelas quais a CPI decidiu não chamar para depor os
governadores Agnelo Queiroz (PT-DF), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Sérgio Cabral
(PMDB-RJ)? O deputado Vaccarezza deu a resposta. "A relação do PMDB com o PT vai
azedar na CPI. Mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu", escreveu em
idioma parecido com o português o deputado Vaccarezza numa mensagem de celular
destinada ao governador Sérgio Cabral. Captada pelas câmeras de televisão do
SBT, a mensagem revela de forma inequívoca o grande arranjo para calar o dono da
Delta, amigo íntimo de Cabral. Portanto, é bom repetir a palavra de ordem que
pode salvar a CPI do fracasso. Fala, Cavendish!
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Nos bastidores,
Cavendish tem falado. E muito. Ele usou interlocutores de sua confiança para
divulgar suas mensagens. Uma delas foi endereçada aos políticos. Seus soldados
espalharam a versão de que a empreiteira destinou cerca de 100 milhões de reais
nos últimos anos para o financiamento de campanhas eleitorais — e que o
dinheiro, obviamente, percorreu o bom e velho escaninho dos "recursos não
contabilizados". Uma informação preciosa dessas deveria excitar o ânimo
investigativo da CPI do Cachoeira. Os mensageiros de Cavendish também procuraram
solidariedade na iniciativa privada. A arma foi ressaltar que o caixa dois da
Delta, que serviu para financiar campanhas, segue um modelo idêntico ao de
outras empreiteiras, inclusive usando os mesmos parceiros para forjar serviços e
notas fiscais frias. A mensagem é: se atingida de morte, a Delta reagiria
alvejando gente graúda. Como o navio nazista Bismarck, a Delta afundaria
atirando. Faria, assim, um bem enorme ao interesse coletivo, mas seria mortal
aos interesses privados. Os mensageiros de Cavendish têm espalhado que a mesma
empresa fornecedora de notas frias da qual sua construtora se servia abastecia
outras duas grandes empreiteiras. São essas ameaças, somadas à coloração
suprapartidária dos contratos firmados, que azeitam a blindagem da Delta. Como
saber se Cavendish está apenas blefando em uma clássica operação de controle de
danos? Levando-o à CPI. Fala, Cavendish!
Desde a eclosão do escândalo, a Delta foi
forçada a deixar as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj),
encomendadas pela Petrobras, e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), sob
responsabilidade do Ministério dos Transportes. A polêmica sobre o destino da
empreiteira pôs a presidente e o antecessor em rota de colisão pela segunda vez
em menos de dois meses. Lula patrocinou a criação da CPI do Cachoeira ao
considerá-la uma oportunidade de desqualificar instituições que descobriram,
divulgaram e investigaram o esquema do mensalão, como a imprensa, o Ministério
Público, o Judiciário e a oposição. Logo após a abertura da CPI, Fernando
Cavendish passou a negociar a empresa com o grupo J&F, cujos donos eram
parceiros preferenciais do governo Lula. A venda foi orquestrada pelo
ex-presidente. O papel de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos
oito anos de mandato do petista e atual CEO do J&F, na manobra ainda não
está claro. Meirelles não comenta, mas sabe-se que ele, desde os tempos de BC,
não assina nada que não tenha a chancela de seus advogados particulares.
Vergonha nacional - Collor e o petista Cândido Vaccarezza: constrangimento à imprensa e troca de gentilezas com o governador Sérgio Cabral. (Cristiano Mariz)
O J&F tem 35% de suas ações nas mãos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mais que isso. Tomou emprestados mais de 6 bilhões de reais no banco. É, portanto, uma empresa semiestatal. Por meio de assessores, a presidente Dilma Rousseff deixou claro que seu governo não apoia a encampação da Delta pelo grupo J&F. A contrariedade de Dilma foi explicitada pela decisão das estatais de tirar a Delta de obras do Dnit e da Petrobras. Dilma determinou à Controladoria-Geral da União (CGU) que declare a empreiteira inidônea e, portanto, proibida de fechar contratos com a União. "O governo fará tudo o que estiver a seu alcance para esse negócio não sair", diz um auxiliar da presidente. Quem conhece Fernando Cavendish mais de perto garante que ele nem de longe vestiria o traje de homem-bomba. Mas como ter certeza de que tem potencial explosivo ou apenas quer minimizar os ataques a ele e a sua empresa? Levando-o à CPI. Vamos lá, coragem. Fala, Cavendish!
* Por Otávio Cabral e Daniel
Pereira na Veja.abril ......
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