Uma década depois, Marcos Valério pode juntar as peças de um crime — e sua fila de cadáveres .........
Mais de uma década após o brutal assassinato do
prefeito petista Celso Daniel em um episódio nebuloso, que até hoje assombra o
PT, investigações relacionadas ao caso podem receber um “empurrão” graças ao
empresário Marcos Valério, o operador do mensalão que foi condenado a 40 anos de
prisão pelo Supremo Tribunal Federal
(STF)
Por Reinaldo Azevedo e Jean-Philip Struck, na
VEJA.com
Essa é a
opinião do promotor Roberto Wider, responsável pela promotoria criminal de Santo
André, para quem um novo depoimento de Valério pode ajudar a ligar “pontas
soltas”, reforçar provas e responder perguntas em diversas investigações que
foram conduzidas pelo Ministério Público na esteira da morte de Celso Daniel.
Edição de VEJA da semana
passada mostra que Valério revelou
em depoimento à Procuradoria-Geral da República que Ronan Maria Pinto, um
empresário ligado ao antigo prefeito, estava chantageando o secretário-geral da
Presidência, Gilberto Carvalho, para não envolver seu nome e o do ex-presidente
Lula na morte de Celso Daniel. O teor exato da ameaça permanece uma incógnita.
Empresário com diversos negócios na região do ABC paulista, Ronan é
apontado pelo Ministério Público como um dos participantes do esquema de
corrupção instalado em Santo André durante a administração de Celso Daniel.
Já Carvalho ocupou, à época da administração de Celso Daniel, as
secretarias de Comunicação e de Governo da prefeitura. De acordo com a
reportagem, Valério disse que a cúpula petista pediu sua ajuda no episódio para
ajudar a liquidar a fatura, mas ele não quis se envolver.
O operador, no
entanto, afirma que a chantagem foi paga. Agora, a promotoria quer entender
melhor essa história.
“Não tenho preconceito em ouvir o Valério. Ele
pode ter sido condenado a 40 anos de prisão, pode estar desesperado, mas só
vamos saber se o que ele disse ou pode dizer vale alguma coisa se formos
ouvi-lo. Se chegarmos a Minas Gerais e ele não quiser falar, paciência. Pelo
menos tentamos”, disse ao site de VEJA.
Wider propôs as duas ações
relacionadas ao caso que correm na Justiça. Uma delas é na esfera criminal,
contra o bando que sequestrou e executou o prefeito e, Sérgio Gomes da
Silva, o Sombra, apontado como
mandante – e até hoje nunca julgado.
A outra é uma ação de improbidade
administrativa que corre paralelamente, proposta após as investigações do
assassinato revelarem que um esquema de desvio de verbas havia sido instalado na
administração de Celso Daniel.
A promotoria afirma que Valério pode
ajudar a reforçar esses processos e até mesmo sustentar a abertura de novas
ações. Os resultados de um eventual depoimento de Valério no caso Celso Daniel
só podem ser especulados, mas, segundo a promotoria, podem implicar ainda mais o
PT e Gilberto Carvalho.
Ações - Na ação de improbidade, tanto o ministro
Carvalho quanto o PT são réus. A promotoria afirma que Carvalho atuava como
“mensageiro” para levar o dinheiro desviado da prefeitura para o PT, que o
usaria para financiar campanhas políticas. Ao todo, o Ministério Público pede
que o PT, Carvalho, Ronan, outros quatro acusados e uma empresa devolvam cerca
de 5,3 milhões de reais desviados dos cofres públicos.
Segundo Wider, o
pagamento de chantagem apontado por Valério, se comprovado, reforçaria ainda
mais o elo entre o partido e os desvios e poderia ser usado como prova no
julgamento da ação. “Podemos até entrar com novas ações por desvios de recursos,
caso venha a se mostrar que essa suposta chantagem foi paga com dinheiro
público”, diz Wider.
Outra frente que pode ser aberta, segundo o
promotor Wider, envolve o próprio Ronan Maria Pinto. Os promotores querem
entender por que o jornal Diário do Grande ABC, de propriedade de Ronan e
sediado em São Bernardo do Campo, recebeu tantos anúncios publicitários de
estatais durante o governo Lula. Segundo a promotoria, investigações mostraram
que entre janeiro e maio de 2005, o jornal de Pinto, cuja tiragem não passa de
40.000 exemplares por dia, recebeu de estatais valores em publicidade dignos dos
maiores jornais do país, como a Folha de S.Paulo e O Globo, que têm uma
circulação cerca de sete vezes superior.
No período, por exemplo, A
Caixa Econômica Federal pagou ao jornal R$ 1,3 milhão em anúncios. Já a
Folharecebeu 565 000. A promotoria desconfiava que o alto volume de anúncios
seguia a prática difundida em todo o país de ajudar donos de jornais amigos do
governo.
Agora, segundo o Ministério Público, graças ao que foi revelado
por Valério nos últimos dias, a promotoria afirma que pode trabalhar com a
hipótese de que os anúncios eram uma forma de camuflar o pagamento da chantagem
feita por Pinto – o que pode dar um novo empurrão em uma eventual ação por crime
de lavagem de dinheiro.
A promotoria já havia tentado oferecer uma
denúncia por lavagem de dinheiro em 2005, mas as investigações nunca avançaram.
Há também a possibilidade do oferecimento de uma denúncia por crime de extorsão
contra o PT e Gilberto Carvalho, caso a história de chantagem proceda.
“Queremos saber que tipo de chantagem era essa. Por
que eles pagariam pelo silêncio?”, pergunta Wider.
Valério nunca foi ouvido
pelos promotores de Santo André. Em 2006, o Ministério Público fez uma
tentativa, mas o depoimento nunca ocorreu porque o ex-ministro José Dirceu, que também havia sido intimado, entrou com uma
liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir os depoimentos. Com a
negativa do STF, o assunto acabou sendo deixado de lado até agora.
Nesta
semana, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Elias Rosa, fez uma
consulta formal à
Procuradoria-Geral da República para receber detalhes do depoimento do operador
do mensalão e avaliar se os promotores de Santo André podem convocá-lo para
falar sobre Santo André. Resta saber quais seriam os novos segredos que Valério
guarda.
O crime - Um dos crimes políticos mais misteriosos do Brasil,
digno de uma novela policial, a morte de Celso Daniel ainda está cercada de
mistérios. À época do assassinato, as investigações da Polícia Civil apontaram
se tratar de um crime comum, um sequestro que terminou mal.
A posição do
PT sobre o assunto foi sempre dúbia. Petistas influentes cobraram publicamente
empenho nas investigações, mas, nos bastidores, mostraram pouco interesse na
resolução do caso.
Já o Ministério Público nunca aceitou a hipótese de
que Daniel foi morto em um mero sequestro. Na denúncia criminal, a Promotoria
sustenta que o prefeito foi morto por causa de um esquema de desvios de recursos
que existia em sua gestão. Segundo os promotores do caso, o dinheiro era
desviado para o caixa dois do PT, com o conhecimento de Daniel.
O
esquema funcionava bem até o prefeito descobrir que parte do dinheiro estaria
sendo embolsado por outros envolvidos na trama. Entre eles estava o empresário e
ex-segurança, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra.
Quando mostrou que não
toleraria desvios para fins particulares, Daniel entrou na mira do empresário,
que teria contratado um grupo para matá-lo em janeiro de 2002.
Celso
Daniel acabaria sendo executado com oito tiros em janeiro de 2002, após ser
sequestrado quando voltava de um jantar em São Paulo, justamente na companhia de
Sérgio Sombra.
O corpo do prefeito foi encontrado dois dias depois em
Juquitiba, na região metropolitana da capital paulista – com sinais de tortura,
segundo laudo do legista que o examinou.
Julgamentos - Até o momento,
cinco réus foram julgados e condenados pelo crime. O réu Itamar Messias Silva
dos Santos deveria ter sido julgado em maio mas, depois um adiamento, em agosto,
seu caso ainda não foi a júri. Já Sérgio Gomes chegou a passar sete meses preso
em 2003, mas também não foi julgado até hoje.
A defesa de Sérgio Gomes
da Silva tem conseguido adiar o julgamento por meio de um habeas corpus no
Supremo Tribunal Federal contestando o poder do Ministério Público de conduzir
investigações criminais. Caso o argumento seja aceito, o processo poderia ser
arquivado ou as provas coletadas pelo MP seriam anuladas. A expectativa, no
entanto, é que o STF aceite a investigação conduzida pela promotoria e que
Gomes, enfim, possa ser julgado.
A Promotoria do júri responsável pela
ação afirma que o julgamento deve acontecer no primeiro semestre do ano que vem.
A data, porém, é incerta, já que previsões semelhantes também foram divulgadas
nos últimos anos.
O advogado de Sérgio Gomes, o criminalista Roberto
Podval, afirma que seu cliente é inocente e que as acusações pelo assassinato e
pela participação nos desvios em Santo André não procedem.
A lentidão
também ocorre com a ação de improbidade administrativa que tem o ministro
Gilberto Carvalho e e PT como réus. A denúncia foi aceita pela Justiça em
outubro de 2010, mas, até o momento, não existe previsão de julgamento.
Nesta semana, Gilberto Carvalho desdenhou das afirmações de Valério e disse que nunca ouviu
falar de qualquer chantagem em Santo André.
” Tenho até que respeitar o
desespero dessa pessoa”, disse Carvalho sobre Valério....
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